Crítica: Corações Sujos

Crítica: Corações Sujos

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Não adianta você ter uma boa história nas mãos e não saber contá-la. Este é o maior problema de Corações Sujos, que, diante das possibilidades, poderia até ser um épico do cinema nacional, mas no fim, é só mais um filme que vai passar batido.

Inspirado no livro homônimo de Fernando Moraes, o filme conta uma história pouco conhecida que ocorreu no Brasil logo após o fim da Segunda Guerra Mundial, quando os imigrantes japoneses, que viviam no interior do estado de São Paulo, se recusavam a aceitar que o Japão saíra derrotado da guerra e que seu Imperador, figura que era considerada imortal por eles, havia se rendido às forças aliadas.

A situação dos moradores da colônia japonesa não era das mais fáceis, pois eles eram reprimidos pelo nosso governo, afinal, Brasil e Japão estavam em lados opostos na guerra. Proibidos de se reunir, de ter acesso a publicações no idioma deles e até de ensiná-lo para suas crianças, os imigrantes se encontravam praticamente isolados pela barreira cultural e, sem saber o que se passava no exterior, eles deixaram aflorar seu nacionalismo em que só existe uma verdade: a honra do espírito japonês. Os poucos que acreditaram na derrota japonesa eram considerados traidores da pátria, os chamados “Corações Sujos“, e passaram a ser perseguidos e assassinados por seus compatriotas.

Diferente da obra literária, repleta de situações e personagens que poderiam ser explorados, o diretor Vicente Amorim e o roteirista David França Mendes optaram por focar a trama no casal Takahashi (Tsuyoshi Ihara) e Miyuki (Takako Tokiwa), construindo uma história de amor em meio ao conflito e deixando a violência presente no texto original um pouco de lado. Casados, ele é dono de uma pequena loja de fotografia e ela é uma professora primária que ensina a língua japonesa às crianças da colônia, mesmo com a proibição. Quando começam as perseguições aos Corações Sujos, Miyuki vê seu marido, mesmo relutante, se transformar, de um pacato fotógrafo, num assassino integrante da “operação limpeza” liderada pelo Coronel Watanabe (Eiji Okuda), que é o vilão da história.

O maior problema do filme, como eu disse no início, não está na história, mas na maneira em que ela se desenvolve durante a projeção. O drama dos protagonistas divide o espaço com o conflito histórico, mas nem um, nem outro, são muito desenvolvidos, e tudo fica meio raso. Outro ponto a se destacar são os personagens que simplemente desaparecem sem a menor cerimônia, como o Cabo que dá início ao primeiro conflito do filme e o Sub-delegado (Eduardo Moscovis), um estrangeiro em sua própria terra que poderia ser um personagem mais interessante não fosse a trama mal desenvolvida.

Como se não bastasse as falhas do roteiro na construção da trama, o filme também sofre um problema de ritmo. O início é até agradável, mas depois de um bom tempo sem grandes momentos de impacto, o filme fica arrastado e cansativo. O clímax também não empolga tanto e, por mais que você saiba que não verá uma luta estilo Kill Bill, o final acaba decepcionando um pouco. (Confesso que passou pela minha cabeça: e se o Tarantino tivesse uma história dessas nas mãos?)

O elenco, formado em sua maioria por atores orientais que mandam muito bem, a bela fotografia e a escolha em traduzir os diálogos para a língua japonesa são os pontos positivos do filme. A trilha sonora também seria, já que ela é muito boa de início, mas acaba se tornando irritante pela decisão do diretor em pontuar toda e qualquer cena dramática com a mesma música, como se quisesse forçar a emoção em quem está assistindo, mais uma vez por culpa da narrativa, que não nos leva a fazer isso por conta própria.

Outro aspecto técnico que não dá para deixar se ser citado é a decisão do diretor em mostrar algumas cenas completamente aleatórias (ao menos para quem está assistindo) sob um efeito de distorção, criando um recurso estético sem razão alguma para existir e que não acrescenta em nada no filme, só incomoda.

Enfim, Corações Sujos tinha potencial para ser algo muito maior e mais interessante, mas o resultado final é apenas mediano. Vale o ingresso? Se você acha que vai encontrar um O Último Samurai Made in Brasil, não, definitivamente não vale o ingresso. Mas se você quer conhecer um pouco sobre essa história, vá ao cinema e tire suas próprias conclusões. Ou então, economize o dinheiro da entrada e vá até uma livraria atrás do material original.

 

Corações Sujos, Brasil, 2011 – 107 min.

Elenco:
Tsuyoshi Ihara, Takako Tokiwa, Eiji Okuda, Kimiko Yo, Shun Sugata, Celina Fukumoto, Eduardo Moscovis e Ken Kaneko.

Direção:
Vicente Amorim

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